quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sobre a decisão do STF (uniões homoafetivas)

Primeiro, quero cumprimentar e dar os parabéns pelo magnífico trabalho na montagem do facebook. Como eu não tenho tempo e paciência, somente com a iniciativa da Malu, da Clarissa e do Ariel é que daria certo uma empreitada deste tipo. Foi uma grata surpresa para mim. Gracias mesmo. Prometo que, de quando em vez, mandarei noticias, comentando o "circo jurídico" de terrae brasilis.
Segundo e aproveitando o ensejo: o tema da moda foi a decisão do STF sobre as uniões homoafetivas. Desde há muito tenho escrito (está em Verdade e Consenso e em texto que publicamos Vicente Barreto, Rafael Tomaz de Oliveira e eu na revista RECHTD e no Jusnavegandi) que sou absolutamente a favor, não só das uniões homoafetivas, como a que todos tenham os direitos civis disso decorrentes. Com relação à união estável e as repercussões disso decorrentes, sempre vi um obstáculo: o texto da Constituição, que fala "homem e mulher".
Ou seja, sempre afirmei que, sem uma lei ou uma emenda a Constituição, não se poderia equiparar as uniões estáveis entre casais homossexuais e casais heterossexuais. Aliás, em países conservadores como Portugal e Espanha, a solução foi a feitura de lei ou plebiscito. Por que, no Brasil, essa questão tem que ser resolvida de forma ativista, no STF? Uma coisa é o STF decidir nos espaços que decorrem das omissões (in)constitucionais e dos problemas de (in)compatibilidade entre leis infraconstitucionais e o texto da Constituição. No caso em pauta, é a Constituição que estabelece um limite semântico-pragmático.
A questão que preocupa, portanto, na decisão do STF, é o tipo de interpretação conforme feita pelo STF. Primeiro, não seria uma interpretação conforme e, sim, no modo como dito pelo Min. Ayres Brito, uma Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung (nulidade parcial sem redução de texto); segundo, como fazer uma interpretação conforme (sic) de uma lei que diz exatamente o que diz a Constituição? Levemos o texto da Constituição a sério, pois. Como se sabe, a "fórmula" da ICC é: este dispositivo somente é constitucional se interpretado no sentido da Constituição...! Logo, a fórmula fica assim: o dispositivo que fala "homem e mulher" somente é constitucional se interpretado e lido no sentido da Constituição (que fala exatamente a mesma coisa)...! O Brasil criou uma nova forma de interpretação conforme. Uma brasilianischeverfassungskonforme Auslegung.
Como se vê, há (houve) apenas uma justificativa para a decisão: a justeza da causa. Neste ponto, estaria de acordo. Nunca neguei que a causa fosse (e é) justa. Só que há tantas outras causas justas no Brasil e nem por isso o STF faz (ou fez) esse tipo de "atravessamento hermenêutico". A expressiva maioria dos juristas brasileiros aprovaram a decisão do STF. Portanto, aprovaram uma atitude ativista. O que farão os juristas quando o ativismo não for favorável às suas ideias ou teses? Sim, porque o ativismo não tem controle, pela simples razão de que é “ativista”. Ativismo quer dizer “substituir o legislador nos juízos político-morais”.
Insisto: não há espaço para o STF preencher "lacunas". E, quais lacunas? Se admitirmos lacunas constitucionais contra a própria Constituição, a pergunta que fica é: o que o STF não poderá fazer? Quais os limites do STF?
Ainda: dizer que "o que não está proibido, está permitido" é um sofisma, pela simples razão de que é um argumento que vai ao infinito. Posso listar, aqui, um conjunto de coisas que não estão proibidas pela Constituição e nem por isso passarão a ser permitidas. No fundo, trata-se de uma questão de imaginário. Warat dizia que os juristas estão inseridos em um imaginário gnosiológico. Nele, existe a crença de que os juízes criam direito, que os juízes julgam conforme a sua consciência e que decidir é o mesmo que escolher. Como venho dizendo de há muito, na esteira de Dworkin: não importa o que os juízes pensam a respeito dos fatos, da sociedade, etc; quando julgam, devem suspender tais pré-juízos. Não importa o que eu penso sobre determinado assunto. A resposta que tenho que dar é: de acordo com a Constituição e com o ordenamento jurídico, tal resposta é possível? A Constituição permite isso? Entre minha consciência e a Constituição, tenho que ficar com a Constituição. Para quem não pensa desse modo, lamento informar que esse é ônus da democracia. Quando alguém me pergunta sobre a viabilidade das cotas nas universidades, não posso responder a partir de minha concepção pessoal. A resposta deve advir do exame da Constituição. Do mesmo modo, acho justíssima a causa que compôs a ADPF das uniões homoafetivas. Mas isso não quer dizer que essa justa causa não tenha que passar pelos canais democráticos. Aliás, é desnecessário lembrar a minha trajetória no direito. Desde a década de 80 que defendo a democracia, as lutas a favor das minorias, a teoria crítica. Fui um dos primeiros a incluir Ferrajoli no direito penal e processual no Brasil. Basta ver o que tenho escrito nestes anos todos; basta ver a minha atuação junto ao Tribunal de Justiça do RS como Procurador de Justiça. Quem iniciou as discussões mais críticas para preservar direitos fundamentais? É só ler os pareceres do Ministerio Público e os acórdãos onde atuei.
Quase por último, não se venha dizer que nos Estados Unidos há decisões da Suprema Corte a respeito. Sem problemas. Não consta que a Constituição norte-americana tenha um dispositivo como o do nosso art. 226. Ou não existe diferença entre constituição analíticas e não analíticas?
Agora, por último: para aqueles que vêm dizendo em alguns sites por aí de que a minha defesa da dicção (limites semânticos-pragmáticos) da Constituição é uma forma de positivismo, permito-me, para não gastar pólvora em chimango (expressão bem gaúcha), remeter o leitor para o meu artigo denominado APLICAR A LETRA DA LEI É UMA ATITUDE POSITIVISTA? (http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/2308/1623), que também será a seguir postado no facebook. Peço que, para que se dissipem as algaravias a respeito do que seja positivismo, que esse texto (Aplicar a letra...) seja lido como um romance. Do início ao fim. Depois, continuarei o debate para quem ainda ache que a defesa da Constituição (mesmo que seja a sua “letra fria” – sic) é uma forma de positivismo. De todo modo, em um país em que ainda se confunde o positivismo exegético com o normativista, tudo é possível. O velho Elías Díaz sempre me ajuda nisso: em termpos de estado democrático de Direito, a legalidade será sempre uma “legalidade constitucional”. O resto é século XIX. Saludos, Lenio.

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